O Francisco era tolerante e pacífico, condescendente e bondoso. Não discutia. Talvez já entendesse, naquela idade tão tenra, que da discussão, como regra, não nasce a luz, mas cresce a paixão. “Pensas que ganhaste tu? Pois sim! A mim, isso não me importa”. Quando alguma das outras crianças teimava em tirar-lhe alguma coisa: “Deixa lá! A mim que me importa?”
Um dia, um companheiro tirou-lhe um lenço muito lindo. Lúcia interveio, para que o lenço lhe fosse restituído. O Francisco, que não era para contendas: “Deixa lá! A mim que me importa o lenço?”
(…) Dentre os três pastorinhos, Francisco parece ser aquele que mais profundamente captou o sobrenatural de Fátima. A vida do Francisco contemplativo é apelo de almas contemplativas, almas que se deixem enamorar de Deus e mergulhem profundamente no seu mistério, almas que façam do silêncio o espaço vital das suas comunicações com Deus. Por elas, Deus torna-se presente no meio dos homens. Bem necessárias são essas almas, para que o deserto de Deus se torne oásis. O Francisco chama por elas. Era um encanto vê-lo sentado nos penedos mais altos a tocar o pífaro e a cantar: “Amo a Deus no Céu. Amo-o também na terra, amo o campo, as flores. Amo as ovelhas na serra”. Na natureza sabia descobrir o rasto de Deus; por isso contemplava extasiado o lindo nascer e pôr do sol, o seu reflexo nas vidraças das janelas ou nas gotas de orvalho. Como Francisco de Assis, amava os passarinhos, porque são criaturas de Deus. Partia o pão para eles em pedacinhos pequenos, em cima dos penedos; chamava por eles: “Coitadinhos! Estão cheios de fome. Venham, venham comer”.
Depois de ver o Anjo e receber a Sagrada Comunhão, não conseguiu dormir naquela noite, absorto na contemplação dessas maravilhas: “Eu sentia que Deus estava em mim, mas não sabia como era”, dizia; e prostrado por terra permanecia longo tempo a repetir a oração do Anjo: “Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo…” Não se impressionou muito com a visão do inferno, mas ficava absorto na contemplação da Santíssima Trindade; na contemplação de Deus que se lhe manifestou nessa luz imensa que penetrou até ao mais íntimo da alma. “Nós estávamos a arder, naquela luz que é Deus e não nos queimávamos. Como é Deus!!! Não se pode dizer! Isto, sim, que a gente nunca pode dizer! Mas que pena Ele estar tão triste! Se eu o pudesse consolar!” Neste estado de alma que Francisco nos descreve reconhecemos muitas das características psicológicas da contemplação: Presença de Deus sentida; invasão da alma pelo sobrenatural; impossibilidade de produzir este estado de alma por si própria; maior passividade que actividade pessoal; conhecimento experimental de Deus, obscuro e confuso; certeza de encontrar-se sob a acção a de Deus; estado de que não se sabe falar; impulso para a vivência das virtudes cristãs. O contemplativo ama o silêncio, a solidão exterior, para com maior serenidade mergulhar no mistério de Deus. Por isso, tantas vezes o foram encontrar sozinho, detrás de alguma pedrita, arbusto ou silvado, de joelhos ou prostrado: “Gosto mais de rezar sozinho”, dizia tantas vezes, “para pensar e consolar a Nosso Senhor”! Por isso passava horas e horas junto de “Jesus escondido”. Quando já não podia ir, pedia à Lúcia que fosse na sua vez: “Dá muitas saudades minhas a Jesus escondido”.